O processo de colonização das terras americanas, não restringe a ocupação e o conflito estabelecidos pelos colonizadores somente pelas motivações de ordem econômica. É claro que, sob o contexto mercantilista, a conquista e a exploração de novas terras eram pontos fundamentais na explicação de tal processo histórico. No entanto, devemos salientar que essa noção de choque entre os europeus e os nativos também aconteceu por outros motivos.
Além das motivações econômicas, devemos expor que essa situação de conflito também se embasou na visão etnocêntrica dos colonizadores. Mais do que uma simples questão da época, o etnocentrismo é um modo de se enxergar a cultura alheia que ainda vigora na relação entre os povos.
O contato entre portugueses e indígenas brasileiros à partir do final do Século XV é marcada por uma surpresa inicial, com dois povos totalmente distintos em cultura, política e estrutura social experi-mentando um convívio até aquele momento jamais imaginado. Da surpresa inicial passa-se a imposição cultural preconceituosa daqueles que se julgavam superiores e termina com uma violenta opressão. Ao longo dos anos, a imposição cultural do europeu foi se solidificando no Brasil como cultura primordial, tratando as demais formas culturais com desdém e em condições de inferioridade.
Vejamos o texto:
Os índios andam nus sem nenhuma cobertura. Vivem em aldeias com 7 ou 8 casas. Cada casa está cheia de gente e nela cada um tem sua rede de dormir armada. Não há, entre eles, nenhum Rei, nem Justiça, somente em cada aldeia tem um principal que é como capitão, ao qual obedecem por vontade e não por força. (...) Este principal tem três ou quatro mulheres (...) Não adoram coisa alguma nem acreditam que há depois da morte glória para os bons, e pena para os maus. Assim, vivem bestialmente sem ter conta, nem peso nem medida. (Pero de Magalhães Gandavo, Tratado da Terra do Brasil, século XVI)
Ao fazer suas descrições da paisagem brasileira, Pero de Magalhães acabou vez ou outra estabelecendo algumas observações sobre os índios que viviam aqui no Brasil. Esse tipo de relato tem a oportunidade de mostrar que a dominação e o conflito que marcam a implantação da ordem colonial também se arquitetaram pela organização de todo um discurso em que o europeu claramente inferiorizava a população nativa.
O autor se restringe a descrever o modo de vida dos nativos fazendo referências à sua nudez e às moradias em que se instalavam. Logo em seguida, aponta a ausência de autoridades políticas que regulamentassem a vida em sociedade, expondo somente a figura de um líder que atuavam em situações pontuais. Por fim, assinala a prática da poligamia, a ausência de qualquer culto religioso ou código moral que limitasse as ações dos indivíduos bons ou ruins.
Mediante essa fala, devemos frisar que a descrição não pode ser vista de modo imparcial. Para isso é necessário pontuar que as características salientadas e destacadas pelo produtor do texto dialogam justamente com os valores e traço de sua cultura. Afinal, na condição de europeu do século XVI, Pero de Magalhães era cristão, subordinado às leis de uma nação absolutista e tinha a monogamia como padrão de comportamento entre os seus comuns.
Ao apontar essas características é que compreendemos por qual motivo ele encerra esse mesmo relato dizendo que esses índios viviam “bestialmente”. A expressão de tom degradante se aplica justamente pelo fato da comunidade de nativos não partilhar dos valores que ele, enquanto europeu, tem para si como verdade. Ao fazer esse tipo de constatação, o cronista português reafirma uma condição de superioridade cultural que também viria a justificar a ação colonizadora sob as populações locais.
Do encontro de duas culturas só poderia resultar um choque, pois se tratava de culturas muito diversas: a européia, já milenar e consolidada e por indígenas, povos de cultura bem menos elaborada. Colombo ignorou o que era esse mundo ao qual chegara: fascinado pela idéia da índia, estava convencido de que aí se encontrava. O nome de índio, dado aos seus habitantes, é símbolo do equívoco.
Segundo Daniel Munduruku, indígena brasileiro com graduação em Filosofia, História, Psicologia e Antropologia Social, o preconceito contra os nativos brasileiros nos dias atuais inicia-se quando os caracterizamos com o termo “Índios”. Segundo Munduruku, este termo é um apelido preconceituoso imposto pelos europeus e que o termo correto a ser usado é “indígena”, que significa “aquele que pertence ao lugar”.
Uma das maiores preocupações da antropologia brasileira é justamente a possibilidade da destruição das culturas indígenas que ainda resistem, em certa medida, no país. O processo de aculturação, que de várias maneiras culminou na mudança cultural e na assimilação dessas culturas indígenas, em certos aspectos pode ser visto na mudança da forma como se vestem, na construção de suas casas ou no gradual abandono de suas línguas. Mas a nossa sociedade urbanizada, por outro lado, adotou palavras das línguas indígenas que hoje usamos comumente, ainda mantém costumes culinários como o preparo de pratos como a tapioca e a mandioca, conhecimentos populares sobre medicina natural, como uso de plantas medicinais (a Copaíba e o guaraná são alguns exemplos).
A aculturação é o nome dado ao processo de troca entre culturas diferentes a partir de sua convivência, de forma que a cultura de um sofre ou exerce influência sobre a construção cultural do outro.
O processo de aculturação é visto por muitos como responsável pela destruição ou o desgaste de culturas vistas como “originais”. Como a ideia inicial de Franz Boas (1858-1942), um dos mais importantes autores na área de estudos culturais, que pautava o fenômeno da aculturação pelo processo de mudança da cultura original. No entanto, autores como o antropólogo brasileiro Gilberto Freyre, trabalhavam com a ideia de que o processo de aculturação não é unilateral, de forma que as duas estruturas culturais que estão envolvidas no processo estão sujeitas a absorver um ou outro aspecto da cultura diferente de forma mútua, mesmo não sendo um processo simétrico.
Por esse motivo, a total destruição da cultura de um grupo só ocorreria em situações extremas, como por exemplo na instauração de um regime que priorize o genocídio cultural de uma etnia específica, e em um enorme período de tempo. Em seu processo “natural”, a aculturação se dá nos termos do grupo em questão, de acordo com suas necessidades. Levando em conta ainda que o processo de aculturação se dá de forma mútua, onde as duas partes adotam características culturais uma da outra, de forma que haverá sempre traços de outra cultura em sociedades que a diversidade e o contato entre grupos de culturas diferentes estejam presentes.
No Brasil, a Constituição Federal, em seu artigo 231, reconhece a organização social, os hábitos, os costumes, as tradições e as diferenças culturais dos povos indígenas, assegurando-lhes o direito de manter sua cultura, identidade e modo de ser, colocando-se como dever do Estado brasileiro a sua proteção.
No âmbito internacional, existem diversos convênios, tratados e declarações destinados a proteger os direitos dos povos indígenas isolados, a saber:
• Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU,1948);
• Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do
Trabalho – (OIT) – das Nações Unidas (ONU,1989);
• Convenção sobre Prevenção e Sanção do Genocídio (ONU,1948);
• Declaração Universal sobre Diversidade Cultural da UNESCO(UNESCO,2001);
• Convenção de Paris sobre Proteção do Patrimônio Intangível (UNESCO,2003);
• Diretrizes de Proteção para os Povos Indígenas Isolados e Contato Inicial da
Região Amazônica, Grã Chaco e Região Oriental do Paraguai(ONU, 2012).
Desta forma podemos concluir, que quanto mais ordenamentos jurídicos existirem para disciplinarem os comportamentos dos indivíduos, isso demonstra a necessidade do controle para impedir a imposição da sociedades que tentam impor suas características culturais sobre as demais.
No mundo globalizado, através das redes sociais, muitas vezes acabam impondo um modo de vida e de comportamento.
Relato indígena:
“Para nós, povos indígenas da Amazônia, a floresta é nosso berço de origem e de civilização, e nossa condição de existência, física, cultural e espiritual. A Amazônia é nossa Casa Ancestral e Atual, desde sempre. Sua exuberante e gigantesca sociobiodiversidade garantiu ao longo dos tempos o surgimento e desenvolvimento de uma enorme diversidade sociocultural de povos, etnias, línguas, saberes, cosmovisões, ontologias e epistemologias, formados atualmente por povos indígenas, comunidades tradicionais, povos da floresta, ribeirinhos. Com essa condição orgulhosa de filhos da floresta, aprendemos ao longo de milhares de anos a conviver com ela, cuidando dela e tirando dela o que precisamos para viver dignamente, sem nunca ter colocado em risco sua exuberância e sustentabilidade existencial.
É com muita tristeza, preocupação e indignação que observamos nos últimos anos uma escalada sem precedentes de destruição de parte significativa da nossa floresta amazônica e, junto, todo o seu ecossistema (poluição e assoreamento de rios e lagos, por exemplo), seja por queimadas criminosas ou avanços ilegais de áreas de garimpo, mineração, agronegócio, extrativismo madeireira. Essas são práticas incentivadas por um discurso governamental que despreza e critica a pauta ambiental e os seus principais defensores, a exemplo, os povos indígenas, em vez de criar ou fortalecer políticas públicas de combate aos crimes ambientais, que também são crimes contra a humanidade. A crise da Amazônia afeta profundamente a vida dos povos indígenas e das comunidades tradicionais. Portanto, é uma crise de humanidade, de civilização. É uma crise existencial sem precedentes para o mundo pós-moderno.
Neste sentido, afirmamos a importância da defesa e proteção dos direitos humanos dos povos indígenas como uma das principais medidas de proteção à floresta amazônica, uma vez que estes são os principais defensores e cuidadores originários milenares dessas florestas e da natureza como um todo. Assim, defender e proteger as terras indígenas, as culturas, línguas e saberes indígenas é defender e proteger a Amazônia, a floresta amazônica, a natureza e o planeta. A Amazônia pode existir sem os seus habitantes originários, mas não seria a mesma, pois perderia seus filhos originários e seus maiores jardineiros e cuidadores!” Gersem Baniwa - Indígena e membro da Anistia Internacional Brasil, integrante da Assembleia Geral.
A Resistência Indígena
A convivência pacífica entre portugueses e indígenas, pautadas na troca de conhecimentos culturais e relações sociais de exploração, como o escambo, resistiram somente até o momento em que os europeus decidiram escravizar os nativos da terra. Buscando impor suas vontades através da força bruta, violência e armas de fogo, os lusitanos (portugueses) saquearam aldeias, sequestrando pessoas e obrigando-os a trabalhar nas lavouras. Apesar da defesa dos clérigos e religiosos católicos que condenavam a escravidão indígena, os portugueses tinham autorização da Coroa em escravizar aquele que se enquadrasse em Guerra Justa, que no caso eram quem se recusasse a se converter ao cristianismo. Existia neste momento uma barreira cultural muito importante na resistência dos nativos em trabalhar nas lavouras; primeiramente, a grande maioria das tribos não entendia a necessidade de produzir mais do que precisavam para suprir suas necessidades e finalmente, em alguns casos, indígenas do sexo masculino não aceitavam trabalhar nas lavouras por entenderam que seria uma tarefa exclusivamente feminina, pois assim era feito em suas aldeias.
Um dos grandes exemplos de resistência indígena organizada contra os portugueses ocorreu no atual estado do Rio de Janeiro, onde aldeias da etnia Tupinambá, envolvendo os Tupiniquim, Aimoré e Temiminó, uniram forças para resistir ao domínio de Portugal, no que ficou conhecido como Confederação dos Tamoios. Estes nativos aliaram-se os franceses, que invadiram a Baía de Guanabara no ano 1.555, permanecendo no local até 1.567, fundando o que foi chamado de França Antártica. Sua intenção era explorar o pau-brasil, tomando a região de Portugal. Uma guerra foi iniciada com tropas portuguesas buscando expulsar os franceses, mas tiveram dificuldades maiores pois tiveram que enfrentar milhares de nativos Tupinambá que não aceitavam o domínio português. Somente após Portugal enviar Estácio de Sá comandando reforços, os franceses foram expulsos do Rio de Janeiro e os Tupinambá foram massacrados.
Apesar da organização política e militar que foi a Confederação dos Tamoios, outras formas de resistências mais simples puderam ser vistas no Brasil Colonial. Muitos indígenas defendiam suas aldeias com suas armas em condição de guerra, outros simplesmente fugiam, buscando viver no interior do Brasil, onde os portugueses ainda não tinham chegado e, outros, em ato final de resistência, tiravam a própria vida.
Escambo: Troca de mercadorias sem que haja uso de dinheiro. Escambo é uma atividade de troca que era utilizada quando ainda não havia sistema monetário. Essa troca, conhecida também como permuta ou troca direta, envolvia apenas coisas, serviços ou ambos. Muito comum entre a comunidade indígena, durante a colonização do Brasil o escambo foi utilizado na extração do pau-brasil.
Em 1986, o músico Renato Russo, líder da banda Legião Urbana, compôs a canção Índios, lançada no álbum Dois da banda pela gravadora Sony Music.
A princípio, a letra da canção conta sobre a chegada dos portugueses ao Brasil e sobre como foi feita a colonização.
Contudo, analisando mais profundamente, percebemos que, na verdade, os índios a quem Renato se refere na canção não são exatamente aqueles que sofreram com a invasão portuguesa em 1500, mas sim as pessoas que, ainda hoje, são puras e ingênuas e que acabam sendo prejudicadas por isso.
Quem me dera ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro que entreguei a quem
Conseguiu me convencer que era prova de amizade
Se alguém levasse embora até o que eu não tinha
Essa estrofe se refere à atitude dos portugueses que, ao chegarem no Brasil, davam objetos aleatórios e, muitas vezes, sem valor para os índios. É claro que esses presentes não eram dados por amizade e afinidade.
Os portugueses trocavam objetos sem valor comercial por ouro, por exemplo. Como os índios desconheciam a preciosidade do metal, e os colonizadores se aproveitaram da ingenuidade e da falta de conhecimento dos índios para começar a explorar as terras e o povo brasileiro.
Quem me dera ao menos uma vez
Esquecer que acreditei que era por brincadeira
Que se cortava sempre um pano de chão
De linho nobre e pura seda
Neste verso, temos que entender que pano de chão, linho nobre e pura seda são metáforas. Renato faz isso para ilustrar a ingenuidade dos índios, que se iludem ao pensar que os portugueses eram amigos de verdade.
Os índios acreditavam que a troca de presentes era apenas brincadeira, apenas por valor sentimental. Mas enquanto eles recebiam panos de chão, os portugueses recebiam ouro, que nesse verso é representado como um tecido valioso. Essa “amizade” era só interesse.
Quem me dera ao menos uma vez
Explicar o que ninguém consegue entender
Os versos acima se referem à catequese religiosa que chegou ao Brasil junto com as caravelas portuguesas. Os padres passaram a impor aos índios a sua religião sem ao menos ouvir o que os eles tinham a dizer.
Que o que aconteceu ainda está por vir
E o futuro não é mais como era antigamente
Na época dos índios, antes da colonização, o futuro provavelmente seria como o presente já era: eles iriam nascer, viver em suas terras, brincar, crescer e morrer.
Mas, com a chegada dos colonizadores, tudo mudou e o futuro veio cheio de tecnologia, de exploração às terras e ao povo brasileiro e de doenças trazidas da Europa. O futuro era incerto, mas havia uma certeza: nada voltaria a ser como era antes.
Quem me dera ao menos uma vez
Provar que quem tem mais do que precisa ter
Quase sempre se convence que não tem o bastante
Fala demais por não ter nada a dizer
Nessa estrofe, Renato demonstra que ter muito, seja sucesso, seja dinheiro ou seja fama, nem sempre é necessário, até porque as melhores coisas são as mais simples. A sociedade está acostumada a ter, a comprar, a aproveitar, a usar, a descartar e a acumular e, no fim, restam apenas pessoas vazias, tristes e sem conteúdo.
Quem me dera ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto como o mais importante
Reforçando o verso anterior, essa estrofe afirma como as coisas simples significam bastante. Isso não só para os índios, mas também para o próprio Renato.
Pensando no contexto de colonização, quer dizer que os índios viviam felizes com o que tinham. Eles valorizavam muito mais a Natureza, a família, suas comidas, etc.
Mas nos deram espelhos
E vimos um mundo doente
Um dos presentes que os colonizadores deram aos índios foram espelhos. E o que aconteceu após diversas trocas de presentes? As terras brasileiras foram sendo exploradas e os índios escravizados e maltratados.
Relacionando esse verso com Renato, ele quis dizer que as pessoas apenas olham para si, se preocupam apenas consigo mesmas. Para ele, as pessoas estão cada vez mais egoístas e nada empáticas e, assim, o mundo vai ficando ruim e doente.
Quem me dera ao menos uma vez
Entender como um só Deus ao mesmo tempo é três
Os portugueses tentavam impor o Cristianismo, porem a religião dos índios era muito diferente. Os índios eram politeístas e a maioria dos Deuses estavam relacionados a força da natureza, eles não entendiam como um Deus poderia ser 3 e 1 ao mesmo tempo (Santíssima Trindade) e como ele poderia estar morto na cruz.
Na doutrina cristã existe a santíssima trindade, que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo, e é justamente essa “divisão” que confunde os índios. Super compreensível, né? Todas as pessoas que são apresentadas a essa doutrina precisam de um tempinho para assimilar toda a história cristã.
E esse mesmo Deus foi morto por vocês
Sua maldade, então, deixaram Deus tão triste
Renato fala nesse verso sobre a contradição dos humanos. Na história cristã, Pilatos perguntou aos romanos quem deveria ser crucificado: Barrabás, um assassino, ou Jesus Cristo, pessoa que ele não via motivos para condenar. Os romanos decidiram libertar o assassino e crucificar Cristo, que sofreu na cruz.
Então, nesse trecho, Renato reforça como a falsidade, a contradição de ideias e a mesquinhez humana o entristeciam.
Eu quis o perigo e até sangrei sozinho, entenda
Assim pude trazer você de volta pra mim
Esse é o refrão da música, e pode até parecer solto e sem sentido na primeira vez que se escuta. Só que o significado de até sangrei sozinho tem a ver com a tentativa de suicídio de Renato.
E o que ele queria trazer de volta para si? A fé em si mesmo. Isso fica mais evidente nos versos a seguir:
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do início ao fim
Renato entende que só ele é capaz de decidir sobre a sua situação, e que ele precisa ter fé de que vai conseguir para lutar contra a depressão. Já que ele sentia que os outros não entendiam o que ele estava passando, restava a ele tentar entender e se cuidar.
E é só você que tem a
Cura pro meu vício de insistir
Nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi
Somente as escolhas de Renato seriam sua cura. Em seguida, ele diz sobre sentir saudade do que não viveu, né? Isso quer dizer que, por mais que ele esteja triste, com pensamentos suicidas, uma parte dele sente vontade de viver o que está lá no futuro.
Quem me dera ao menos uma vez
Acreditar por um instante em tudo que existe
E acreditar que o mundo é perfeito
E que todas as pessoas são felizes
Aqui podemos pensar que Renato queria sentir a pureza e a ingenuidade dos índios. O cantor não vê a sociedade com bons olhos, vê de uma forma bem realista e crítica, reconhecendo as coisas ruins e ciente de que nem tudo são flores.
Quem me dera ao menos uma vez
Fazer com que o mundo saiba que seu nome
Está em tudo e mesmo assim
Ninguém lhe diz ao menos obrigado
Nesse verso o compositor quer dizer que Deus, e também os índios, deveriam ser reconhecidos por todas as coisas boas que fizeram. O que vemos acontecer, entretanto, é o oposto disso: apesar de os índios terem dado várias coisas aos colonizadores, no fim eles foram explorados e escravizados.
Quem me dera ao menos uma vez
Como a mais bela tribo
Dos mais belos índios
Não ser atacado por ser inocente
De novo Renato se compara aos índios, que foram explorados e atacados em suas próprias terras sem motivo algum. Mas, quanto à sua vida pessoal, diversas vezes ele foi criticado por suas ações, por suas ideologias e por como se manifestava.
Ele apenas queria que o entendessem e o respeitassem, e para isso não precisavam atacá-lo e oprimi-lo. Aqui há a repetição do refrão…
Nos deram espelhos e vimos um mundo doente
Tentei chorar e não consegui
No último verso da música o cantor faz referência a como nossa sociedade é machista. Vários meninos crescem ouvindo que “homem que é homem não chora”, o que oprime e os faz não saber expressar seus sentimentos.
REALIDADES OPOSTAS
EM SOLO QUE HOJE CHAMAMOS DE BRASIL
O contato entre portugueses e indígenas brasileiros à partir do final do Século XV é marcada por uma surpresa inicial, com dois povos totalmente distintos em cultura, política e estrutura social experimentando um convívio até aquele momento jamais imaginado. Da surpresa inicial passa-se a imposição cultural preconceituosa daqueles que se julgavam superiores e termina com uma violenta opressão. Ao longo dos anos, a imposição cultural do europeu foi se solidificando no Brasil como cultura primordial, tratando as demais formas culturais com desdém e em condições de inferioridade. Segundo o autor Daniel Munduruku, indígena brasileiro com graduação em Filosofia, História, Psicologia e Antropologia Social, o preconceito contra os nativos brasileiros nos dias atuais inicia-se quando os caracterizamos com o termo “Índios”. Segundo Munduruku, este termo é um apelido preconceituoso imposto pelos europeus e que o termo correto a ser usado é “indígena”, que significa “aquele que pertence ao lugar”.
Quando os portugueses chegaram ao território que chamamos de Brasil no ano de 1.500 d.C, existiam aproximadamente de 3 a 5 milhões de nativos habitando essas terras, distribuídas em cerca de mil povos distintos, falando mais de mil idiomas diferentes. Portanto, temos que parar de tratar o indígena brasileiro como um povo homogêneo e único.
O primeiro contato de europeus com indígenas brasileiros foi maior com os representantes dos Tupis, pois estes habitavam quase toda a costa brasileira, local em que os portugueses se fixaram nos primeiros anos de colonização. A grande parte das aldeias deste povo eram organizadas em círculos ou fileiras, vivendo sob o controle de uma espécie de conselho, onde os guerreiros mais vitoriosos tinham maior direito de participação.
A visão de mundo sob a ótica cristã ocidental dos portugueses, onde se professava a crença num único Deus, com valores morais rígidos no que diz respeito a vestimentas, casamento e relacionamentos, entrou em um contraste profundo ao deparar-se com homens e mulheres de pele morena, nus ou seminus, com comportamento sexual diferente do que pregava a fé cristã, vivendo num ambiente onde a própria natureza era um enorme desafio aos europeus recém chegados. Um grande exemplo de contraste que foi constatado entre os diferentes povos, deu-se quando os portugueses descobriram que algumas tribos dos Tupis praticavam rituais de antropofagia (alimentar-se de carne humana) e que dentro de sua cultura, ter sua carne devorada após uma guerra era um final digno aos grandes guerreiros, uma vez que os indígenas acreditavam que a força e o espírito do devorado passariam a residir naquele que o devora.
Diferentemente do que ocorrera na América Espanhola, os europeus não encontraram metais preciosos na costa brasileira nos primeiros anos de expedição, entretanto, ao explorarem a Mata Atlântica brasileira, descobriram uma árvore cuja madeira era matéria-prima da tinta vermelha, muito valiosa na Europa e extremamente lucrativa. O pau-brasil, como era conhecido, tornou-se monopólio da Coroa Portuguesa, que utilizava a mão de obra indígena em um sistema de escambo. Os nativos cortavam e transportavam a madeira até os navios e em troca recebiam pequenos utensílios, como espelhos, canivetes, peças de tecido, coisas sem valor aos europeus mas que eram desconhecidas aos nativos. Bastava saber até quando essa aparente ingenuidade indígena iria perdurar.
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